O atelier foi convidado a desenhar a capa do número 9 da Revista RUA-L, órgão de comunicação do Departamento de Línguas e Culturas, da Universidade de Aveiro (UA). Recebemos esta proposta com muito carinho, pois foi neste mesmo departamento da UA que nos conhecemos há 12 anos, enquanto alunas do Mestrado em Estudos Editoriais (nós, a Joana e a Rita). E foi também por lá que começámos um trabalho conjunto que logo se transformou em Gigante. Este desafio foi lançado pela professora Maria Cristina Carrington, de quem também trazemos na memória algumas das melhores aulas dos dois anos em Aveiro: sessões quase sempre acompanhadas de outros/as profissionais da área, onde tanto se partilhou, e onde muito crescemos.
Num número dedicado às «Artes e Ofícios do Livro», procurámos criar uma composição que expressasse a plasticidade do objeto e a sua capacidade mais artesanal, ao mesmo tempo que se refletia sobre as suas novas vertentes mais digitais, sobre a proliferação e segmentação de suportes e formatos. Do desenho ao resultado final, vamos deixando a nossa proposta aqui:
No decorrer do trabalho, sentimos alguma dificuldade em articular essa linguagem mais tosca que estávamos a desenvolver, com a composição bastante estanque da capa (mas também do próprio interior da revista). Na verdade, pensamos sempre neste tipo de serviço como um todo: o trabalho da capa e a paginação deveriam comunicar e refletir-se. Pelo menos, em linhas gerais, no sentido de uma linguagem gráfica coesa, para um número ou para a série (e que poderia ser partilhada por diferentes profissionais: da ilustração à composição de texto). Para ultrapassar os constrangimentos, o nosso trabalho acabou por ser apresentado como uma ilustração, bastante apartada da linguagem da revista, apesar de procurar enquadrar-se, literalmente, nesses espaços por preencher:
Outros números, dois anteriores e um posterior ao que número que desenhámos, mostram bem tudo o que pode acontecer nesta lógica:
É ingrato identificar aqui “o problema”:
Devemos “correr atrás” da linguagem gráfica que já existe, sendo que essa mesma linguagem é tão pouco manifesta?
Porque é que isto é, afinal, um problema, se essa grelha “tão branda” se permite a manifestações mais livres na capa?
Essa “liberdade” não será sinal de alguma negligência, ou mesmo cansaço, com estes formatos académicos, desvalorizando-os como objeto cultural?
Estas questões levaram-nos a pensar no universo das revistas académicas em Portugal, e empurraram-nos para uma pesquisa através de vários repositórios nacionais. É de notar essa segmentação entre miolo e capa mas, mais importante talvez, é de notar um estancamento no tempo em muitas revistas que acabam por seguir moldes (alguns) com décadas. Nesses moldes, o que é então quebrado, de facto, é a (re)utilização do espaço na capa, quer seja por novos apontamentos a cada série (cor, fundos fotográficos, padrões vetoriais), quer seja por uma encomenda externa de capa nova para cada número (como no nosso caso, onde o que acontece é essencialmente um trabalho de ilustração a servir o tema da revista).
Vejam-se as seguintes capas de diferentes revistas, que ao longo das várias séries pouco mudam, senão nos fundos:
E agora um exemplo mais robusto, onde tão pouco muda, mas o que muda é suficiente, e bem mais equilibrado:
Neste momento, e com esta observação muito aérea, já identificamos várias comichões e temos de trazer outros assuntos para a mesa:
Digital vs. Print
A verdade é que muitas destas revistas são impressas, mas o alcance de grande parte delas é o suporte digital (formato disponível gratuitamente). E quando aqui atrás se falou do estancamento no tempo, surgem as primeiras questões de (quase) ilegibilidade e de (enorme) dificuldade de leitura. Ler no ecrã levanta questões que vão da orientação da página, ao trabalho das notas ao longo do texto e, na maior parte destas revistas, o design repete modelos (alguns, mesmo, Words) que não se souberam adaptar ao mundo do ecrã. Colunas demasiado largas (ou duas colunas), entrelinhas exageradas, marcações difíceis de alcançar sem perder o rumo, etc. É um problema que se poderia resolver com dois formatos diferentes mas, que precisa, também, de um novo desenho de raiz, em grande parte dos casos. Repare-se nos dois exemplos encontrados: o da esquerda, de valor questionável para impressão; o da direita, com problemas para a leitura em ecrã. Ambos representam uma boa parte das paginações encontradas:
Designer e Paginador e …
Neste momento, temos de realçar que muitas das paginações destas revistas estão entregues há anos aos gabinetes de pré-impressão das gráficas onde são produzidas. E sem nenhum desdém por esse tipo de serviço, sabemos que é muito difícil a panorâmica no trabalho de design ali desenvolvido, isto é: não se articula com tanta energia o trabalho dos conteúdos, sendo este um serviço essencialmente técnico… O próprio paginador acaba muito isolado da restante equipa de comunicação (quando ela existe), e a encomenda desse trabalho é o “final” do trabalho. Um “final” que já está há muito tempo preparado e que, dificilmente, muda — pois não se pensa nele como um “início”. Outras vezes, a paginação é feita pelos próprios elementos da equipa da revista, muitas vezes por investigadores/assistentes mais jovens que vão e vêm, onde o trabalho não tem um contínuo, e que compõem o texto sobre modelos de Word, que muito simplifica o processo.
Financiar
Claro que qualquer um dos pontos em cima se justifica pela falta de fundos que capacitariam as equipas destas revistas para um trabalho de design mais acompanhado. E este é um problema que não imaginamos como se possa resolver… Mas relembramos, por exemplo, um dos melhores trabalhos ao nível de revistas universitárias de que nos lembramos — uma revista feita por estudantes, a Dédalo, da Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto. Uma revista que dá vontade de comprar, porque une artigos de qualidade com um trabalho de imagem e de produção gráfica a roçar o luxuoso. E, repetimos, um trabalho feito por estudantes que, no seu n.º 7, em 2010, terá tido uma das suas melhores edições, desenhada pelos mesmos dois designers que acabariam por fundar o And Atelier (de Rita Huet e João Araújo, um prolífico e premiado atelier de design do Porto, uma referência cá em casa, com trabalhos de qualidade impressionante).
Publicar
O trabalho de investigação exige uma cadência, aos seus atores, na publicação artigos científicos. Esta imposição é, em última análise, a mesma que justifica o número e a variedade de revistas académicas em Portugal. As mesmas revistas que acabam por parecer sempre “um bocado caras” e “difíceis de ler”. As mesmas revistas recheadas de conteúdos que resultam de esforços hercúleos de investigação, de escrita, de coordenação, de avaliação, etc. E isto tudo deveria ser mais levado a sério em termos de design, não? Isto é: estes objetos poderiam ter uma dignidade gráfica bem melhor, porque é possível fazer melhor!
Numa última nota, gostávamos de sublinhar a generosidade e a preocupação que vemos do lado de algumas das coordenadoras destes objetos. Já não era a primeira vez que desenvolvíamos um serviço para uma revista académica, e uma coisa é certa: as coordenadoras das revistas académicas com quem trabalhámos desfazem-se em agradecimentos e procuram sempre marcar, sem equívoco, quem fez o quê, nas suas fichas técnicas. Mais do que qualquer outro cliente, na verdade. É comovente e, ao mesmo tempo, mostra a fragilidade desses organismos, onde tantas vezes vemos quem fez o logo, quem fez a capa, quem paginou o miolo, e por aí fora. E todos esses nomes surgem soltos ao longo do tempo, pois no final ninguém se conheceu — e talvez isto fosse útil para as revistas surgirem mais “redondas”, para se acertarem pormenores, para se perceber o que se pode mudar e melhorar, em vez de se continuar a adicionar e a sobrepor.